quarta-feira, 21 de abril de 2010
domingo, 14 de fevereiro de 2010
TEORIA DA MÚSICA (HISTÓRIA) - MUSIC THEORY (HISTORY)
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The Cambridge History of
Western Music Theory
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Edited by
Thomas Christensen
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The Cambridge History of Western Music Theory is the first comprehensive history of Western music theory to be published in the English language. A collaborative project by leading music theorists and historians, the volume traces the rich panorama of music-theoretical thought from the Ancient Greeks to the present day. Richly enhanced with illustrations, graphics, examples and cross-citations, as well as being thoroughly indexed and supplemented by comprehensive bibliographies, this book will be an invaluable resource for students and scholars alike.
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List of plates xi
List of figures xiii
Notes on contributors xvi
Acknowledgments xxi
List of abbreviations xxii
Introduction
Thomas Christensen
1 . Mapping the terrain
Leslie Blasius
2 . Musica practica: music theory as pedagogy
Robert W. Wason
3 . Epistemologies of music theory
Nicholas Cook
4 . Greek music theory
Thomas J . Mathiesen
5 . The transmission of ancient music theory into the Middle Ages
Calvin M. Bower
6 . Medieval canonics
Jan Herlinger
Rudolf Rasch
8 . The role of harmonics in the scientific revolution
Penelope Gouk
9 . From acoustics to Tonpsychologie
Burdette Green and David Butler
10 . Music theory andmathematics
Catherine Nolan
A. Mapping tonal spaces
11 . Notes, scales, and modes in the earlier Middle Ages
David E. Cohen
12 . Renaissance modal theory: theoretical, compositional, and
editorial perspectives
Cristle Collins Judd
13 . Tonal organization in seventeenth-century music theory
Gregory Barnett
14 . Dualist tonal space and transformation in nineteenth-century
musical thought
Henry Klumpenhouwer
B. Compositional Theory
15 . Organum – discantus – contrapunctus in the Middle Ages
Sarah Fuller
16 . Counterpoint pedagogy in the Renaissance
Peter Schubert
17 . Performance theory
Albert Cohen
precursors and successors
Ian Bent
19 . Twelve-tone theory
John Covach
C. Time
20 . The evolution of rhythmic notation
Anna Maria Busse Berger
21 . Theories of musical rhythm in the eighteenth and
nineteenth centuries
William E. Caplin
22 . Rhythm in twentieth-century theory
Justin London
D. Tonality
23 . Tonality
Brian Hyer
24 . Rameau and eighteenth-century harmonic theory
Joel Lester
25 . Nineteenth-century harmonic theory: the Austro-German legacy
David W. Bernstein
26 . Heinrich Schenker
William Drabkin
DESCRIPTIVE TRADITIONS
A. Models of music analysis
27 . Music and rhetoric
Patrick McCreless
Scott Burnham
29 . Thematic and motivic analysis
Jonathan Dunsby
B. Music psychology
30 . Energetics
Lee Rothfarb
31 . The psychology of music
Robert Gjerdingen
Index of authors
Index of subjects
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Canções de Ninar - Palavra Cantada
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As canções de ninar são grandes estímulos para o desenvolvimento musical da criança. Edwin Gordon, um dos principais educadores musicais do século XX, diz que o período em que a criança tem a maior capacidade de se desenvolver musicalmente vai de 0 até 4 anos de idade. Daí a importância da mãe e do pai do bebê cantarem variadamente (ou seja, não somente canções de ninar) até mesmo antes dele nascer, enquanto ainda está ouvindo os sons e sentindo as vibrações sonoras pelo lado de dentro da barriga. Desta forma o bebê já estará desenvolvendo um bom ouvido para a música e também tomando contato com uma cultura musical através dos pais. O som favorito das canções de ninar é o da “caixinha de música”, presente em quase todas as gravações. Outros instrumentos com timbre parecido são o xilofone, metalofone, glockenspiel e a kalimba. Estes instrumentos são preferidos por terem uma sonoridade suave, apropriada para estimular o sono e o relaxamento.
Este CD Canções de Ninar, da coleção Palavra Cantada, já é considerado um clássico do repertório infantil. Este disco aproxima com muita sensibilidade pais e filhos do mundo musical. De modo singelo e atual, as letras e melodias falam do momento de ir para a cama, da noite, do sonho e do dia-a-dia da criança. São canções que modernizam o nosso repertório de cantigas de ninar sem tirar o encanto. Até hoje, não se sabe quem mais aprecia esse disco – se os pais ou os filhos. Produzido por Sandra Peres e Paulo Tatit, Canções de Ninar ganhou o Prêmio Sharp de Melhor Disco Infantil de 1994.
FAIXAS
1. Vagarinho Vagarinho
2. Negro Céu Negro Céu
3. Acalanto Pra Você Acalanto Pra Você
4. Dorme Dorme
5. Depois De Depois De
6. Carneirinho 1,2,3 Carneirinho 1,2,3
7. Uma Era Uma Era
8. Tudo Tudo Tudo Tudo Tudo Tudo
9. Bondinho Bondinho
10. Sono De Gibi Sono De Gibi
11. De Ninar De Ninar
12. Sono Preguiça Sono Preguiça
13. Boa Noite Boa Noite
14. Dorme Em Paz Dorme Em Paz
15. Soneca Soneca
16. Pro Nenê Nanar Pro Nenê Nanar
17. Será Será
18. Vovó Vovó
19. Meu ANjo Sim Meu ANjo Sim
20. A Chuva A Chuva
21. La Vai Alguem La Vai Alguem
22. Só Quero Ver Só Quero Ver
CD Canções de Ninar – Coleção Palavra Cantada
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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
"O que é Isto - a Música?" - por Sidney Molina
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O QUE É ISTO - A MÚSICA?
Uma homenagem ao filósofo Martin Heidegger
Uma homenagem ao filósofo Martin Heidegger
Sidney Molina
O que acontece conosco quando ouvimos música? O que é isto que ouvimos, enquanto ouvimos música? O que é isto, a música?
Nosso interesse por música - considerando-se que seja um interesse real e não um hábito passageiro - nasce sempre a partir de uma experiência musical forte: algo aconteceu um dia "naquele show ou concerto", ou simplesmente ouvindo aquele CD em casa, ou assistindo a aquele programa na TV.
Falamos de um "interesse real": que queremos dizer com isso?
Para nós, aqui, um interesse real será o cultivo de um relacionamento com o mundo sonoro em si, isto é, tal interesse não será um entender a música como uma atividade social facilitadora da aproximação entre as pessoas e também não será, do mesmo modo, uma busca superficial de satisfação imediata, ou de entretenimento, ou de lazer. Podemos, através da música, trazer para a nossa proximidade certas pessoas, mas nunca "as pessoas" em geral. Do mesmo modo, se o interesse musical é apenas um meio para a satisfação imediata de desejos imediatos, à satisfação dos desejos seguir-se-á o desinteresse pelos meios (a história do show business está repleta de exemplos).
Falamos, no entanto, também, de uma "experiência musical forte". Mas podemos chamar de "experiências musicais" - enfrentemos a questão - a uma multiplicidade de fenômenos sonoros. Onde foi que tivemos nossas experiências musicais fortes?
Pode ter sido a visão-audição de Hendrix ou Coltrane tocando? Pode ter sido no interstício preciso entre a inteligência dos Beatles e a irreverência dos Stones? Ou foi em algum ponto entre a força distorcida heavy e a limpeza progressiva fusion? Mudando um pouco de prisma: pode ter sido também nos planos assimétricos de delicadeza conceitual e interpretativa de Pat Metheny, ou nas evocações multiculturais superpostas de McLaughlin? Pode ter sido ouvindo Miles Davis ou Michael Jackson? Pode ter sido ouvindo o cigano Django Reinhardt ou, por que não, a gravação que o violonista erudito inglês Julian Bream fez de um concerto com orquestra erudita que contém uma homenagem erudita de um compositor erudito ao mesmo cigano Django Reinhardt? Pode ter sido numa canção popular de Chico Buarque ou de Caetano Veloso? Ou num samba de Paulinho da Viola ou de João Bosco? Pode ter sido em Caymmi, Noel ou João Gilberto? Pode ter sido em Luiz Gonzaga? Por que não em Beethoven? Por que não em Charlie Parker? Por que não em Bach? Por que não em Duke Ellington? Por que não em Mozart, Schoenberg ou Bartok? Por que não a partir de um DVD do pianista russo Evgeny Kissin tocando Chopin ou Liszt, na assustadora maturidade de seus 27 anos de idade? Por que não ao ouvir a uma velhíssima fita cassete contendo uma gravação de um ensaio caseiro dos irmãos Abreu ao violão?
Não importa o que tenha provocado a experiência estética, pois, se ela foi suficientemente intensa, temos a impressão de que algo foi dito, de que algo "ficou". A experiência estética deixa marcas, deixa referências. A experiência estética é intrigante na medida em que ela nos retira da mesmice quotidiana de nossos afazeres, deixando-nos espantados diante de nós mesmos, de nossa condição humana, de nosso mundo.
Se nós não nos paralisarmos diante do espanto da experiência auditiva, se nós não nos desviarmos apressadamente dos sentidos da escuta atenta, muitas vezes decidiremos começar a estudar música. "Com belos sentimentos também faz-se má música", poderíamos dizer parafraseando André Gide. Não basta ter em mãos um enigma: é preciso também buscar decifrá-lo; não basta querer tocar ou compor (ou mesmo ouvir) música: é preciso saber fazê-lo.
Não caberá discutir os caminhos da pedagogia musical pois, nosso objetivo, aqui, será apenas não perder de vista a motivação essencial que leva alguém ao mundo das cifras, das tablaturas, das digitações, palhetadas, escalas e arpejos. Esperançosamente, a busca de compreensão poderá levar mais longe, quem sabe a um conceito coerente de sonoridade, a uma flexibilidade rítmica, a um controle da condução das frases musicais, à consistência da improvisação, à teoria musical, ao treinamento auditivo, à leitura e à escrita de música, à harmonia, ao contraponto, à análise musical, à composição, à história da música, etc. Aprender a estudar e gostar de estudar são gestos de humildade e respeito para com os impactos sonoros absorvidos pela percepção. Estudar música é cultivar nosso amor pela música: se não nos apaixonamos pelo estudo de música, é porque nossas experiências musicais ou não foram fortes o bastante para nos motivar, ou porque não estamos sendo dignos das oportunidades sonoras que nos estão sendo oferecidas. Somos responsáveis também pelas músicas que ouvimos.
Mas, chegando até este ponto, parece-nos que, no intuito de encontrar a música, nos perdemos na multiplicidade dos gêneros, dos estilos e das técnicas; constatamos que há uma experiência estética, mas não explicamos em que ela consiste; falamos que algo acontece conosco, mas não o que acontece. Ainda não sabemos o que é isto - a música.
Nosso caminho não nos levou para dentro da experiência musical. Falamos, apenas, sobre música. Falar sobre algo é e tem sido, já há algum tempo - desde que Martin Heidegger lançou no solo do pensar ocidental as sementes de sua interrogação filosófica - o que a expressão literalmente diz, a saber, um situar-se acima do assunto. Falar sobre música é querer estar acima da música e, portanto - necessariamente - fora dela.
Como podemos nos aproximar da música? Como podemos penetrar nela? Como podemos nos demorar nela? Como podemos submeter nosso comportamento às suas leis?
O caminho que proporemos é tão somente uma possibilidade, dentre muitas outras. Para ser um caminho real, nosso texto deve, inicialmente, abrir-se para a possibilidade de fracassar. Algo presente faz-nos supor que temos um caminho a trilhar na discussão proposta aqui. Chegamos a acreditar, inclusive - neste momento preciso em que estamos escrevendo -, que alcançaremos nosso objetivo. Não podemos, entretanto, garantir que assim será. Antecipamos idéias e guardamos conexões com o que já discutimos anteriormente. Tentamos nos concentrar com cada palavra, frase e idéia, mas não podemos apressar a condução do movimento do pensamento nem sua materialização na linguagem. O pensar tem sua melodia, sua harmonia, seu ritmo; tem também forma, métrica e cores; seu movimento pode ser acelerado ou ralentado; o pensar também dialoga consigo, é polifônico. O pensar lê e sabe improvisar.
Aqui precisamos de uma pausa: não é isto que, de alguma forma, almejávamos? A atenção para com a musicalidade do pensar não é, já, um estar na música e não mais sobre a música? E, se assim for: qual é a conexão entre pensamento e música?
É quase um lugar comum dizer que a música é a arte temporal por excelência. Ao contrário das chamadas "artes espaciais" (como a arquitetura, a escultura e a pintura), a relação da música com o tempo é interna e essencial. Que tipo de relação é essa? Como ocorre a percepção do tempo na música?
O assunto é amplo e complexo. Fixemos apenas alguns pontos decisivos.
Quando falamos em tempo, temos (pelo menos) duas dimensões a considerar: a primeira delas diz respeito à relação entre tempo presente, tempo passado e tempo futuro. Se o tempo presente, este aqui-agora, for o instante do ser presente, da presença, o passado - que já não é mais - e o futuro - que não é ainda - serão abstrações. Por outro lado, invertendo o argumento, podemos pensar que este presente é um nada evanescente e fugidio e, ao contrário, o passado e o futuro são o que resta de concreto, pois abrangem a cristalização da memória e a expectativa do porvir. Na música, a memória, por um lado, e a antecipação do que ainda não está soando, por outro, operam tanto quanto os sons que estão sendo instantaneamente ouvidos.
A segunda dimensão diz respeito à distinção entre tempo duração e tempo espacial. Segundo Bergson, o tempo duração é a experiência interna da temporalidade contínua e, o tempo espacial, a medida externa e descontínua dos intervalos temporais. Também na música podemos encontrar ambos os "tempos", já que temos tanto o movimento da música no tempo, com sua continuidade, quanto a estrutura temporal de durações sonoras e silenciosas, que é descontínua. Cada execução sonora está no tempo e é única (tempo duração), enquanto que a estrutura temporal de uma música contém em si um tempo finito, passível de ser repetido em diversas execuções sonoras sem deixar de ser ele mesmo (tempo espaço).
Mas essa breve análise pode revelar-se, neste momento, decisiva: se a disponibilidade para com a escuta musical pode levar-nos de uma maneira privilegiada a uma experiência tanto do estar no tempo (tempo duração) quanto do conter tempo (tempo espaço) e se, simultaneamente, a escuta atenta coloca a questão da presença, da fugacidade do instante, da memória e da previsão, é porque a música pode ser um caminho para lançar cada um de nós diante de seu próprio tempo, diante de sua mortalidade. Assim como vivemos a presença do presente como uma continuidade temporal inabalável (estamos no tempo), sofremos a ação espacializante e desgastante da passagem irreversível "dos anos que não voltam mais" (temos um tempo).
Diante da experiência real da finitude, abre-se um momento existencial de extraordinária liberdade, propício a deixar pistas para serem decifradas no dia-a-dia. Cada músico e cada música de verdade têm seu próprio modo de dizer mostrando e de mostrar dizendo e cada ouvinte de verdade deve ser alguém forte o suficiente para enfrentar as contradições dessa experiência e aprender com ela.
Querer revelar o isto que a percepção musical instaura é, no entanto, já perdê-lo; é transformá-lo num aquilo. Santo Agostinho, que testemunhou - há mais de 1600 anos - uma das mais antigas manifestações musicais da Era Cristã, a saber, o Canto Ambrosiano, formulou de forma definitiva a natureza paradoxal de nossa condição temporal. Ouçamos sua voz como uma tentativa de manter viva a questão O que é isto - a música:
Que é, pois, o tempo? Se ninguém me perguntar, sei; se quiser explicar a quem me pergunta, não sei.
Nosso interesse por música - considerando-se que seja um interesse real e não um hábito passageiro - nasce sempre a partir de uma experiência musical forte: algo aconteceu um dia "naquele show ou concerto", ou simplesmente ouvindo aquele CD em casa, ou assistindo a aquele programa na TV.
Falamos de um "interesse real": que queremos dizer com isso?
Para nós, aqui, um interesse real será o cultivo de um relacionamento com o mundo sonoro em si, isto é, tal interesse não será um entender a música como uma atividade social facilitadora da aproximação entre as pessoas e também não será, do mesmo modo, uma busca superficial de satisfação imediata, ou de entretenimento, ou de lazer. Podemos, através da música, trazer para a nossa proximidade certas pessoas, mas nunca "as pessoas" em geral. Do mesmo modo, se o interesse musical é apenas um meio para a satisfação imediata de desejos imediatos, à satisfação dos desejos seguir-se-á o desinteresse pelos meios (a história do show business está repleta de exemplos).
Falamos, no entanto, também, de uma "experiência musical forte". Mas podemos chamar de "experiências musicais" - enfrentemos a questão - a uma multiplicidade de fenômenos sonoros. Onde foi que tivemos nossas experiências musicais fortes?
Pode ter sido a visão-audição de Hendrix ou Coltrane tocando? Pode ter sido no interstício preciso entre a inteligência dos Beatles e a irreverência dos Stones? Ou foi em algum ponto entre a força distorcida heavy e a limpeza progressiva fusion? Mudando um pouco de prisma: pode ter sido também nos planos assimétricos de delicadeza conceitual e interpretativa de Pat Metheny, ou nas evocações multiculturais superpostas de McLaughlin? Pode ter sido ouvindo Miles Davis ou Michael Jackson? Pode ter sido ouvindo o cigano Django Reinhardt ou, por que não, a gravação que o violonista erudito inglês Julian Bream fez de um concerto com orquestra erudita que contém uma homenagem erudita de um compositor erudito ao mesmo cigano Django Reinhardt? Pode ter sido numa canção popular de Chico Buarque ou de Caetano Veloso? Ou num samba de Paulinho da Viola ou de João Bosco? Pode ter sido em Caymmi, Noel ou João Gilberto? Pode ter sido em Luiz Gonzaga? Por que não em Beethoven? Por que não em Charlie Parker? Por que não em Bach? Por que não em Duke Ellington? Por que não em Mozart, Schoenberg ou Bartok? Por que não a partir de um DVD do pianista russo Evgeny Kissin tocando Chopin ou Liszt, na assustadora maturidade de seus 27 anos de idade? Por que não ao ouvir a uma velhíssima fita cassete contendo uma gravação de um ensaio caseiro dos irmãos Abreu ao violão?
Não importa o que tenha provocado a experiência estética, pois, se ela foi suficientemente intensa, temos a impressão de que algo foi dito, de que algo "ficou". A experiência estética deixa marcas, deixa referências. A experiência estética é intrigante na medida em que ela nos retira da mesmice quotidiana de nossos afazeres, deixando-nos espantados diante de nós mesmos, de nossa condição humana, de nosso mundo.
Se nós não nos paralisarmos diante do espanto da experiência auditiva, se nós não nos desviarmos apressadamente dos sentidos da escuta atenta, muitas vezes decidiremos começar a estudar música. "Com belos sentimentos também faz-se má música", poderíamos dizer parafraseando André Gide. Não basta ter em mãos um enigma: é preciso também buscar decifrá-lo; não basta querer tocar ou compor (ou mesmo ouvir) música: é preciso saber fazê-lo.
Não caberá discutir os caminhos da pedagogia musical pois, nosso objetivo, aqui, será apenas não perder de vista a motivação essencial que leva alguém ao mundo das cifras, das tablaturas, das digitações, palhetadas, escalas e arpejos. Esperançosamente, a busca de compreensão poderá levar mais longe, quem sabe a um conceito coerente de sonoridade, a uma flexibilidade rítmica, a um controle da condução das frases musicais, à consistência da improvisação, à teoria musical, ao treinamento auditivo, à leitura e à escrita de música, à harmonia, ao contraponto, à análise musical, à composição, à história da música, etc. Aprender a estudar e gostar de estudar são gestos de humildade e respeito para com os impactos sonoros absorvidos pela percepção. Estudar música é cultivar nosso amor pela música: se não nos apaixonamos pelo estudo de música, é porque nossas experiências musicais ou não foram fortes o bastante para nos motivar, ou porque não estamos sendo dignos das oportunidades sonoras que nos estão sendo oferecidas. Somos responsáveis também pelas músicas que ouvimos.
Mas, chegando até este ponto, parece-nos que, no intuito de encontrar a música, nos perdemos na multiplicidade dos gêneros, dos estilos e das técnicas; constatamos que há uma experiência estética, mas não explicamos em que ela consiste; falamos que algo acontece conosco, mas não o que acontece. Ainda não sabemos o que é isto - a música.
Nosso caminho não nos levou para dentro da experiência musical. Falamos, apenas, sobre música. Falar sobre algo é e tem sido, já há algum tempo - desde que Martin Heidegger lançou no solo do pensar ocidental as sementes de sua interrogação filosófica - o que a expressão literalmente diz, a saber, um situar-se acima do assunto. Falar sobre música é querer estar acima da música e, portanto - necessariamente - fora dela.
Como podemos nos aproximar da música? Como podemos penetrar nela? Como podemos nos demorar nela? Como podemos submeter nosso comportamento às suas leis?
O caminho que proporemos é tão somente uma possibilidade, dentre muitas outras. Para ser um caminho real, nosso texto deve, inicialmente, abrir-se para a possibilidade de fracassar. Algo presente faz-nos supor que temos um caminho a trilhar na discussão proposta aqui. Chegamos a acreditar, inclusive - neste momento preciso em que estamos escrevendo -, que alcançaremos nosso objetivo. Não podemos, entretanto, garantir que assim será. Antecipamos idéias e guardamos conexões com o que já discutimos anteriormente. Tentamos nos concentrar com cada palavra, frase e idéia, mas não podemos apressar a condução do movimento do pensamento nem sua materialização na linguagem. O pensar tem sua melodia, sua harmonia, seu ritmo; tem também forma, métrica e cores; seu movimento pode ser acelerado ou ralentado; o pensar também dialoga consigo, é polifônico. O pensar lê e sabe improvisar.
Aqui precisamos de uma pausa: não é isto que, de alguma forma, almejávamos? A atenção para com a musicalidade do pensar não é, já, um estar na música e não mais sobre a música? E, se assim for: qual é a conexão entre pensamento e música?
É quase um lugar comum dizer que a música é a arte temporal por excelência. Ao contrário das chamadas "artes espaciais" (como a arquitetura, a escultura e a pintura), a relação da música com o tempo é interna e essencial. Que tipo de relação é essa? Como ocorre a percepção do tempo na música?
O assunto é amplo e complexo. Fixemos apenas alguns pontos decisivos.
Quando falamos em tempo, temos (pelo menos) duas dimensões a considerar: a primeira delas diz respeito à relação entre tempo presente, tempo passado e tempo futuro. Se o tempo presente, este aqui-agora, for o instante do ser presente, da presença, o passado - que já não é mais - e o futuro - que não é ainda - serão abstrações. Por outro lado, invertendo o argumento, podemos pensar que este presente é um nada evanescente e fugidio e, ao contrário, o passado e o futuro são o que resta de concreto, pois abrangem a cristalização da memória e a expectativa do porvir. Na música, a memória, por um lado, e a antecipação do que ainda não está soando, por outro, operam tanto quanto os sons que estão sendo instantaneamente ouvidos.
A segunda dimensão diz respeito à distinção entre tempo duração e tempo espacial. Segundo Bergson, o tempo duração é a experiência interna da temporalidade contínua e, o tempo espacial, a medida externa e descontínua dos intervalos temporais. Também na música podemos encontrar ambos os "tempos", já que temos tanto o movimento da música no tempo, com sua continuidade, quanto a estrutura temporal de durações sonoras e silenciosas, que é descontínua. Cada execução sonora está no tempo e é única (tempo duração), enquanto que a estrutura temporal de uma música contém em si um tempo finito, passível de ser repetido em diversas execuções sonoras sem deixar de ser ele mesmo (tempo espaço).
Mas essa breve análise pode revelar-se, neste momento, decisiva: se a disponibilidade para com a escuta musical pode levar-nos de uma maneira privilegiada a uma experiência tanto do estar no tempo (tempo duração) quanto do conter tempo (tempo espaço) e se, simultaneamente, a escuta atenta coloca a questão da presença, da fugacidade do instante, da memória e da previsão, é porque a música pode ser um caminho para lançar cada um de nós diante de seu próprio tempo, diante de sua mortalidade. Assim como vivemos a presença do presente como uma continuidade temporal inabalável (estamos no tempo), sofremos a ação espacializante e desgastante da passagem irreversível "dos anos que não voltam mais" (temos um tempo).
Diante da experiência real da finitude, abre-se um momento existencial de extraordinária liberdade, propício a deixar pistas para serem decifradas no dia-a-dia. Cada músico e cada música de verdade têm seu próprio modo de dizer mostrando e de mostrar dizendo e cada ouvinte de verdade deve ser alguém forte o suficiente para enfrentar as contradições dessa experiência e aprender com ela.
Querer revelar o isto que a percepção musical instaura é, no entanto, já perdê-lo; é transformá-lo num aquilo. Santo Agostinho, que testemunhou - há mais de 1600 anos - uma das mais antigas manifestações musicais da Era Cristã, a saber, o Canto Ambrosiano, formulou de forma definitiva a natureza paradoxal de nossa condição temporal. Ouçamos sua voz como uma tentativa de manter viva a questão O que é isto - a música:
Que é, pois, o tempo? Se ninguém me perguntar, sei; se quiser explicar a quem me pergunta, não sei.
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